Os
Dois Maridos
Nesta passagem, Paulo explica porque a lei não tem conexão com os
Cristãos – sejam eles Cristãos judeus ou Cristãos gentios. No capítulo 7:1-3,
ele estabelece o princípio, dando uma ilustração hipotética da improbabilidade
de uma mulher ser casada com dois maridos ao mesmo tempo. Então, no capítulo
7:4-6, faz uma aplicação desse princípio, mostrando que, como os Cristãos estão
mortos com Cristo, o vínculo que uma vez os reteve (crentes judeus) às
obrigações da lei foi quebrado.
Cap. 7:1-3 – Paulo vê a lei como
estando na posição de um marido e os judeus (antes de serem salvos) na posição
de uma esposa. A mulher nessa situação estaria sujeita a certas obrigações para
com o marido. Paulo declara: “Porque a
mulher que está sujeita ao marido, enquanto ele viver”. F. B. Hole disse:
“Todo judeu considerava o velho marido – a lei – muito severo e inflexível, e
que de fato a espancava, embora tivessem de admitir que merecessem tudo o que
lhes sobrevinha”. Sob a lei, eles estavam cansados e “sobrecarregados” (ARA) em seus esforços para fazer tudo o que ela
ordenava, e também em cumprir coisas acessórias que os rabinos lhes
acrescentavam. (Mt 11:28, 23:2-4).
Então, Paulo diz: “Mas, morto o marido, livre está da lei do
marido”. Nesta declaração, Paulo não
está ensinando que a lei morreu – mesmo que ele se refira à morte do marido. O
grande ponto que está estabelecendo aqui é que a morte encerra a vigência da lei; o vínculo envolvido nesse
relacionamento legal é quebrado com a chegada da morte.
Cap. 7:4 – o Sr. H. Smith aponta
que na ilustração o marido morre, mas
na aplicação do princípio, é a esposa
que morre. Paulo deixou claro no versículo 1 que aqueles nessa relação legal,
que estão agora identificados com Cristo, chegaram ao fim pela morte. Ele
disse: “a lei tem domínio sobre o homem
por todo o tempo que ele vive” (AIBB). Paulo não disse que a lei tem
domínio sobre um homem por todo o tempo que ela (a lei) vive, mas “por todo o tempo que ele [o
homem sob ela] vive”.
Aplicando o princípio da Cabeça
federal de Cristo aos crentes judeus em seu relacionamento legal com Deus,
Paulo mostra que, uma vez que Cristo morreu, eles têm o direito de também se
considerarem mortos. Ele diz: “Assim,
meus irmãos [judeus], também vós
estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo”. Assim, os crentes no Senhor
Jesus Cristo não apenas estão mortos para o pecado (cap. 6); eles também estão
mortos para a lei (cap. 7). A lei não tem mais domínio sobre aqueles que
estavam nessa relação e que creem, porque são vistos como mortos e enterrados –
e a lei não tem domínio sobre um homem morto. J. N. Darby disse: “Ele morre
para aquilo no qual estava retido. A lei só poderia impor sua reivindicação
sobre o homem como um filho vivo de Adão. A ‘lei tem poder sobre o homem
enquanto ele viver’; mas eu estou morto para a lei pelo corpo de Cristo; o
vínculo com a lei cessou de forma absoluta, total e está necessariamente
cessado, pois a pessoa está morta; e a lei tem poder sobre ela somente enquanto
viver” (Collected Writings, vol. 10,
pág. 10).
“O
corpo de Cristo”, do qual Paulo fala aqui, não é o corpo místico de Cristo do qual
somos membros (1 Co 12:12-13), mas o corpo pessoal (físico) de Cristo que Ele
tinha ao Se tornar um Homem (Hb 10:5; Cl 1:22). Foi por meio desse corpo no
qual morreu que Cristo levou os crentes à morte por sua identificação com Ele.
A KJV diz: “Casado com outro...”. Isso é mencionado três vezes nesta passagem,
mas a palavra “casado” não está
realmente no texto grego. Deveria dizer: “Pertencer
a outro” (Tradução W. Kelly). Isso ocorre porque nosso relacionamento com
Cristo atualmente é o de alguém comprometida a um marido; estamos aguardando o
casamento que acontecerá no futuro (Ap 19:7-10). (É verdade que, em Efésios 5,
a Igreja já é vista em união com Cristo, mas aquela epístola apresenta a
verdade a partir da perspectiva do propósito eterno de Deus – como algo completo
e totalmente fora do tempo.)
Paulo conclui seu pensamento
dizendo: “A fim de que demos fruto para
Deus” (v. 4). O “fruto” a que se
refere aqui é a justiça prática manifestada no viver santo. Este é o objetivo
de Deus ao libertar o crente do pecado e da lei. Contudo, a verdadeira
frutificação só pode ser produzida vivendo-se no gozo consciente da vida eterna
com “aqu’Ele que ressuscitou de entre os
mortos”. Quando permanecemos com Cristo nessa nova esfera de vida, o
Espírito de Deus está livre para trabalhar em nós para manter a carne sob
controle e produzir frutos em nossas vidas no caminho da justiça prática. Paulo
falará mais disso no capítulo 8.
Cap. 7:5 - Paulo lembra aos crentes
judeus que quando estavam “na carne”
sob a lei, seus esforços em guardá-la não produziam santidade em suas vidas. De
fato, em vez de a lei controlar a carne, fez o oposto – suscitou a carne. Paulo
menciona este fato: “Pois, quando
estávamos na carne, as paixões dos pecados, suscitadas pela lei,
operavam em nossos membros para darem fruto para a morte” (AIBB). Assim que
a carne é instruída a não fazer algo, isso se torna a exata coisa que ela quer
fazer. J. N. Darby disse: “Se eu dissesse a um amante do dinheiro: 'Você não
deve desejar esse ouro', isso apenas lhe despertaria o desejo” (Collected Writings, vol. 26, pág. 158).
Os crentes dentre os judeus deveriam saber disso melhor do que qualquer um,
tendo estado sob a lei formalmente.
Todos nós igualmente sabemos disso
por experiência, mesmo que não tenhamos formalmente estado sob a lei. Se
colocarmos alguma restrição na carne, ela imediatamente se rebela contra a
restrição. Isto é porque “a inclinação
da carne é inimizade contra
Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (cap.
8:7). Assim, colocar-se sob restrições legais em um esforço para aperfeiçoar a
santidade só será contraproducente, porque o guardar da lei só produz “morte” moral naqueles que se colocam
sob suas exigências. Legalistas evidentemente não sabem disso e continuam
colocando seus convertidos sob a lei. Quanto mais cedo aprendermos isso melhor,
porque é só então que vamos parar de procurar sucesso pelo guardar da lei.
Paulo
usa uma frase aqui (“na carne”) que
é única para sua doutrina. Existem outras frases desse tipo:
- “Em Adão” é a nossa antiga posição diante de Deus (1 Co 15:22).
- “Em Cristo” é a nossa nova posição diante de Deus (Rm 3:24).
- “Na carne” é o nosso antigo estado ou condição (Rm 7:5).
- “No Espírito” é o nosso novo estado ou condição (Rm 8:9).
Deve notar-se que, embora não
estejamos na carne, a carne ainda está em nós. Ela não será removida até
estarmos com o Senhor.
Cap. 7:6 – Paulo resume o que
precede, dizendo: “Mas agora estamos
livres da lei, pois morremos para aquilo em que estávamos retidos; para que
sirvamos em novidade de espírito, e não na velhice da letra”. Nisso, ele
reafirma o grande princípio contido nesses capítulos. É simplesmente que não
podemos estar vivos naquilo em que morremos – seja em conexão com o pecado ou
com a lei. A lei não foi posta de lado,
invalidada ou revogada; é o crente que se foi. Ele está morto em virtude de sua
identificação com a morte de Cristo. O crente judeu, portanto, não está mais
sob a lei.
Assim, o caminho de Deus para a
santificação prática não é pelo guardar da lei. O guardar da lei para a
santidade é um princípio carnal que pressupõe que há força no homem para
produzir o bem. Este não é o caminho de Deus para a santificação prática. O
legalista argumenta que o crente pode guardar a lei porque ele tem uma nova
natureza e o Espírito Santo que nele habita o capacita a fazê-lo. É verdade que
a nova natureza (que nos dá vontades corretas) e o Espírito Santo (que dá o
poder) capacitam o crente a andar em santidade, mas o crente não o faz por
causa de exigências legais, mas porque Cristo é o seu objetivo. Quando ocupado
com Cristo, o crente, na prática, excede em muito as exigências morais da lei.
Em Gálatas 5:22-23, Paulo lista várias coisas que são “o fruto do Espírito” no crente – “caridade, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé,
mansidão, temperança [autocontrole]”.
Ele então acrescenta: “Contra estas coisas não há lei”. Isto é, não
há lei que possa ser colocada sobre o crente que produza essas coisas! No
sistema da graça de Deus, o crente avança sob um princípio muito mais alto do
que a obediência legal à lei de Moisés.
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